O caso “ditabranda”

Foi um sentimento meio paradoxal quando li em mais de dois blogs da minha blogroll sobre o caso ditabranda. O lado bom desse sentimento foi ver, de certa forma, o amadurecimento da blogosfera nacional, que é muito mais do que aquela umbigosfera que vive para atrair link e pagerank, e que há uma preocupação em trazer ao conhecimento público, pelo menos daqueles que os lêem, fatos e acontecimentos relevantes e sucitar discussões que nos façam sentir humanos.

O lado ruim é que o cerne da questão é justamente a velha e desonrada mídia brasileira, figurinha repetida cá neste humilde blog. Em poucas palavras, o fato da vez foi que a Folha, em um dos editoriais sobre a vitória da emenda chavista na Venezuela, amenizou a ditadura brasileira ao caracterizá-la de ditabranda. Posto isso, alguns historiadores mega renomados argumentaram que o jornal — no caso, o autor do editorial — se equivocou e que em nenhum momento da história a nossa ditadura fora denominada e nem teve propriedades de ditabranda.

A Folha, mui sensata e imparcial, classifcou os historiadores e seus apontamentos como “cínicos e mentirosos”. Isso foi mais que suficiente — e não sem razão — para enaltecer os ânimos de muitos historiadores que neste caso não estão defendendo apenas uma categoria, mas sim a integridade dos fatos — trabalho este que, a princípio, deveria ser exercido pela própria imprensa.

Foi o que aconteceu com Idelber Avelar, que além de esclarecer o que ditabranda significa — e que tem toda a notoriedade para –, aproveitou a situação e soltou o verbo contra a mídia nacional, seja Frias, Marinhos ou Civita. Quem também fez questão de falar sobre, e o fez com muita sensatez e presteza, foi Hugo Albuquerque no post “A Folha e a ditabranda” — que, por “incrível coincidência” havia postado uns dias antes “A caduquice precoce da imprensa“, vindo, infelizmente, só a complementar a discussão sobre a precariedade da nossa imprensa. Todos os links de imperdível leitura, a quem interessar possa.

// Em tempo, para ler o editorial que começou toda essa discussão, a carta dos professores à Folha e a resposta super educada do jornal, está tudo aqui.

3 responses to “O caso “ditabranda”

  1. Olá,Luís, obrigado pela parte que me toca – e é uma baita honra ver O Descurvo , antes de comemorar o seu primeiro mês de existência, sendo citado lado a lado com um blog de um monstro sagrado da blogosfera como o nosso querido Idelber.

    Tinha postado sobre “A caduquice precoce da imprensa” quando as coisas já estavam pegando fogo na história da Ditabranda – mas até aí eu nem tinha me dado conta do tamanho real do que tava acontecendo, era só uma mistura de desabafo por esse estado de coisas misurado com uma reflexão que me ocorreu por esses dias: Como essa instituição que nós denominamos jornalismo não apenas se assenta em bases tão antiquadas, mas também possui estruturas tão superadas, o que foi fruto de um insight que eu tive ao compara-lo com o Direito, que é visto como uma coisa tão conservadora (o que não é nenhuma mentira) ainda que seus teóricos (mesmo os mais conservadores) não neguem a dimensão axiológica que ele possui, na contramão do jornalismo que ainda é vendido com a ares de uma certa sacralidade laica que remonta aos primórdios do século 19º.

    Poucas horas depois, me deparo estarrecido com todo o circo armado por essa confusão da Ditabranda – que naquela ocasião tomou proporções incontroláveis – e as coisas se encaixaram perfeita e infelizmente, sendo que eu tive de fazer uma postagem sobre o caso Folha em si, onde eu abordei alguns pontos que ainda não tinham ficado suficientemente claros como dois dias depois quando eu postei sobre debates e factóides.

    Em última instância, o debate que eu pretendia sucita e acabou sendo pego nessa correnteza, era sobre como esses anacronismos jornalísticos estão levando a instituição lentamente à morte – pela sua incapacidade em se adequar ao novo mundo que desenha com Internet. No caso brasileiro somam-se a questão da crise na ideologia jornalística com o que eu chamo de crise física – a crise dos meios impressos propriamente ditos – e a crise que se dá pela subversão do discurso jornalítico por meio do discurso político enviesado e bizarro que vemos hoje nos principais meios de comunicação tradicionais.

    abraços e apareça por lá sempre que quiser 😉

  2. Salve Hugo,

    Satisfação tê-lo por aqui. Como eu disse no post, é sempre muito bom poder encontrar blogs que estejam dispostos a discutir temas relevantes ao invés de ficar tratando sobre “mimimis”.

    A discussão sobre o futuro dos jornais dessa vez não é uma exclusividade tupinanbá, creio que há de concordar comigo — ainda que eu não consiga imaginar Murdoch perdendo horas de sono por isso. O problema que o caso brasileiro é um pouco pior. A mídia brasileira tem quase que por padrão a origem em partidos políticos e isso, obviamente, resulta em interesses que a poucos são esclarecidos. O fato dela se pronunciar ‘imparcial’ quanto posição partidária (talvez até para esconder suas origens) só vem a agravar a situação — diferente de outros países onde os jornais e seus editoriais assumem publicamente sua orientação partidária.

    Então, sendo o nosso jornalismo pingado pela política, enquanto sustentarmos esse nosso sistema político não vejo solução para o jornalismo.

    Já no que tange ao jornalismo enquanto meio de comunicação, cuja as estruturas vem sendo abaladas pela facilidade e proliferação da internet, várias maneiras de se sobreviver a este ‘teste de estresse’ vêm sendo abordadas, o problema é que ainda nenhuma delas se mostrou eficiente. Mas não é o fim — e acredito que você também concorde comigo quanto a isso.

    O que eu vejo é que os meios de comunicação, e não só o jornalismo, terão que se adapatar a nova era da informação, bem como às novas demandas que não são mais aquelas pré-internet. A discussão tem que se focar ao redor disso, em encontrar um meio viável e sustentável, beneficiando-se do praticamente inexistente custo marginal da internet e cortando custos em áreas que se tornaram (ou, se tornarão) obsoletas.

    Talvez uma discussão equiparável é se o Kindle da Amazon irá ‘matar’ os livros. Obviamente que não. Assim como a TV não matou o Cinema, e como o Cinema não matou a Fotografia. O que haverá sim, creio eu, é uma racionalização dos recursos que, a princípio, é mais que natural. Talvez doloroso para alguns, mas necessário.

    Era isso, saudações,

  3. Luis, prosseguindo o diálogo,

    Sem dúvida a crise do jornalismo não é apenas brasileira, tampouco é uma mera crise de modelo de forma de difusão da informação, uma crise material ou econômica no sentido estrito, ela é também e, sobretudo, uma crise ideológica e política.

    É uma questão muito complexa, mas quando eu falo em crise política me refiro a uma questão óbvia que ocorre claramente no Brasil e já delineia mesmo em países onde há regras para se evitar a concentração da mídia na mão de poucos; antes, os meios de comunicação estavam na mão de várias empresas e pessoas, de maneira que a mídia representa melhor a sociedade para qual se prestavam em difundir informações e, por outro lado, se envolvia no jogo político como um ator lateral e alheio aos pontos fulcrais do jogo político. Hoje não. Cada vez temos grupos de mídia mais poderosos, verdadeiros oligopólios fulcrais nessa era da informação. Como tal, eles têm interesses muito poderosos e poderosos no que toca à economia e à sociedade, e muitas vezes subvertem o próprio discurso jornalístico por um discurso político velado – ou o fazem por meio da omissão, como no caso da guerra do Iraque, onde ninguém de peso da mídia estadunidense se prestou a investigar as justificativas de Bush para ir à guerra, afinal de contas, guerra é espectáculo e espectáculo dá dinheiro.

    Agora, a questão ideológica é onde a porca torce o rabo. O jornalismo se assenta em ideias que remontam aos primórdios da contemporaneidade e, em essência, eles jamais foram alterados. Por isso, ele possui aquela aura de sacralidade laica, própria dos primórdios do século 19º. Seus dogmas: Imparcialidade e objetividade. Como falar nessas duas coisas à luz de Marx e Freud? Jornalistas são capazes de debater e até defender os dois pensadores, mas aplicar suas ideias à praxis que lhes serve de sustento, jamais. Isso romperia com a alegoria do sacerdote da informação, pio e puro que paira sobre as paixões e razões humanas.

    No meu post sobre a caduquice da imprensa é sobre isso que eu me refiro. Mesmo uma área como o Direito já teve de trazer ao campo das suas discussões, a questão da axiologia normativa. Isso não aconteceu hoje, é um debate com uns oitenta anos ou mais. Antes, a própria ideia de sacralidade laica do liberalismo clássico já havia sido rompida pela sacralidade cientificista do positivismo, por sua vez, superada pelo pós-positivismo e reaproximação entre Direito e Ética – o que nunca aconteceu no jornalismo. Mesmo assim, a área jurídica sofrerá brutais transformações nos próximos anos, fruto claro, da pós-modernidade.

    Vemos nesse momento uma crise profunda e, sobretudo, reações profundamente reacionárias por parte até mesmo de jornalistas politicamente progressistas e intelectualmente respeitáveis; o que está em jogo aqui vai para além do debate de modelo, mas algo que pega o jornalismo em sua essência e isso incomoda profundamente os profissionais da área. A mídia, por certo, jamais morrerá e estará presente no futuro cada vez mais digitalizada, mas será que o jornalismo como nós o conhecemos continuará a existir? Duvido muito. Se sim, ele precisará sofrer uma mudança muito profunda – mudança de cuja sobrevivência, ele depende de maneira vital.

    PS: Vou tomar a liberdade de linkar esse nosso debate no post que eu fiz sobre o assunto ontem à noite. Abraços.

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